O Estatuto do Nascituro e o terror | ![]() | ![]() | ![]() |
![]() Os defensores do Estatuto do Nascituro sustentam ser já pessoa humana um punhado de células recém-fecundadas. Por isso, insistem em descrevê-las como um “ser humano”. Importa saber se humano é descritor das células ou qualificador para direitos e obrigações. Como descritor, não há disputa: células produzidas por órgãos humanos são células humanas. Mas nem por isso um óvulo seria descrito como um “ser humano”. Mas, para os que entendem o nascituro como pessoa, as células recém-fecundadas são mais do que produtos do corpo humano: seriam personalidades jurídicas com direito a reclamar direitos e proteções ao Estado.
O nascituro demandará ainda mais obrigações do Estado brasileiro. Uma delas tocará nos cofres e representará conquista que nenhum outro grupo vulnerável de carne e osso já conquistou no Brasil: nascituro que tenha sido gerado por estupro terá direito a políticas sociais prioritárias, entre elas serviços de saúde e de assistência social. Trata-se de focalização das políticas sociais como nunca antes desenhada pelas reformas da seguridade social — o nascituro terá “prioridade absoluta”, propõe o Estatuto. Em meio à riqueza criativa do documento para instituir benefícios, está a bolsa-estupro — nascituro que venha a nascer com vida terá direito a bolsa de assistência social de um salário mínimo até os 18 anos. A menina violentada, caso tenha sobrevivido ao parto, nem sequer é mencionada pelo Estatuto.
Há vários equívocos na proposta do Estatuto do Nascituro. A primeira delas é esquecer os vivos em detrimento de fantasias filosóficas. O nascituro é criação religiosa para dar personalidade jurídica às convicções morais de homens que acreditam controlar a reprodução das mulheres pela lei penal. São as mulheres — mães, esposas, irmãs e filhas — desses mesmos deputados religiosos ou não as que abortam e buscam assistência médica nos hospitais públicos e privados. Elas são mulheres comuns que temem a lei penal, mas sentem o pânico de um estupro como mais forte que a ameaça do inferno. O Estatuto do Nascituro é mais um ato de terror, só que agora do Estado contra elas. Além de ter sido vítima do violentador, a menina se descreverá como mulher violentada pelo Estado, que reconhece os direitos de um espectro de pessoa como superiores à própria existência.
Debora Diniz - Antropóloga, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. Artigo originalmente publicado no jornal Correio Braziliense, de 08/05/2013.
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