VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

A violência contra a mulher é crime; a criminalização do abôrto é uma violência contra a mulher.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013



INTRODUÇÃO (Normas Técnicas da Atenção Humanizada do Abortamento do Ministério da Saúde)

O abortamento representa um grave problema de saúde pública, com maior incidência em países em desenvolvimento, sendo uma das
principais causas de mortalidade materna no mundo, inclusive no Brasil.
Sua discussão, notadamente passional em muitos países, envolve uma intricada teia de aspectos legais, morais, religiosos, sociais e culturais. Vulnerabilidades como desigualdade de gênero, normas culturais e religiosas,desigualdade de acesso à educação, e múltiplas dimensões da pobreza
– com a falta de recursos econômicos e de alternativas, a dificuldade de
acesso a informação e direitos humanos, a insalubridade, dentre outros –
fazem com que o abortamento inseguro atinja e sacrifique, de forma mais
devastadora, mulheres de comunidades pobres e marginalizadas.

O abortamento espontâneo ocorre em aproximadamente (10 a
15%) das gestações e envolve sensações de perda, culpa pela impossibilidade de levar a gestação a termo, além de trazer complicações para o sistema reprodutivo, requerendo uma atenção técnica adequada, segura
e humanizada. Outros 10% dos abortamentos atendidos em nossos hospitais são provocados pelas mais diferentes formas, já que, para um grande contingente de mulheres, o abortamento resulta de necessidades não satisfeitas de planejamento reprodutivo, envolvendo a falta de informa-
ção sobre anticoncepção, dificuldades de acesso aos métodos, falhas no
seu uso, uso irregular ou inadequado, e/ou ausência de acompanhamento
pelos serviços de saúde. É preciso destacar que, para muitas mulheres, a
gestação que motiva o abortamento resulta de violência sexual, seja por
desconhecido, seja cometida pelo parceiro ou outro membro em âmbito
doméstico e/ou intrafamiliar.
Aspectos culturais, religiosos, legais e morais inibem as mulheres
a declararem seus abortamentos, dificultando o cálculo da sua magnitude.
Independente dessa dificuldade, sabe-se que o abortamento é praticado
com o uso de meios diversos, muitas vezes induzidos pela própria mulher
ou realizados em condições inseguras, em geral acarretando consequências danosas à saúde, podendo, inclusive, levar à morte. O informe de outubro de 2008, do Instituto Guttmacher, aponta como métodos usuais em . 8 .
MINISTÉRIO DA SAÚDE
abortamentos inseguros a inserção de preparos herbais na vagina, chás,
saltos de escadas ou telhados, o uso de paus, ossos de frango, dentre outros objetos de risco.
Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde, metade
das gestações é indesejada, com uma a cada nove mulheres recorrendo ao
abortamento para interrompê-las. De acordo com dados recentes do Instituto Guttmacher de Washington, D.C. – EUA, o número de abortos induzidos
no mundo caiu de 45,6, em 1995, para 41,6 milhões, em 2003. A queda nos
índices foi mais drástica em países desenvolvidos, caindo de 10 milhões, em
1995, para 6,6 milhões em 2003. Na Europa, o número caiu de 7,7 milhões
para 4,3 milhões. A queda mais acentuada se deu no leste europeu, onde o
aborto já é seguro e descriminalizado, na maioria dos países. Houve decréscimo de 90 para 44 na proporção de abortamentos a cada 1.000 mulheres
entre 15 e 44 anos (THE ALAN GUTTMACHER INSTITUTE, 2008).
Por outro lado, considerando o mesmo intervalo de 1995 a 2003,
para os países em desenvolvimento, não houve queda expressiva, sendo
de 35,5 milhões em 1995 para 35 milhões em 2003.  Excluindo desta contagem a China, percebe-se, em números absolutos, um aumento de 24.9
milhões para 26.4 milhões. Na América Latina, houve queda, também inexpressiva, de 4,2 milhões em 1995 para 4,1 milhões em 2003 (AGI, 2008).
No Brasil, estima-se a ocorrência de mais de um milhão de abortos inseguros ao ano. O artigo 128 do Código Penal de 1940 prevê o abortamento legalizado para gestações resultantes de estupro e para o caso
de risco de morte para a mulher, a questão está em cumprir a legislação.
Os avanços já alcançados, ainda insuficientes, apontam o crescimento do número de serviços de referência para o atendimento ao abortamento previsto em lei e mobilização – com a implementação das Redes
de Atenção Integral à Saúde de Mulheres e Adolescentes em Situação de
Violência Doméstica e/ou Sexual – articulada e organizada por estados,
municípios e o Governo Federal para a criação de outros. O Judiciário tem
autorizado, com frequência, o abortamento para os casos de má-forma-
ção fetal incompatível com a vida e o Supremo Tribunal Federal vem estudando a interrupção da gestação nesses casos. . 9 .
ATENÇÃO HUMANIZADA AO ABORTAMENTO NORMA TÉCNICA
Em países onde as mulheres têm acesso aos serviços seguros,
suas probabilidades de morrer em decorrência de um abortamento realizado com métodos modernos não é maior do que uma para cada 100
mil procedimentos (AGI, 1999). Em países em desenvolvimento, o risco de
morte por complicações de procedimentos de abortamento inseguro é
várias vezes mais alto do que de um abortamento realizado por profissionais e em condições seguras (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2004).
Por outro lado, em países onde o aborto é proibido por lei ou norma religiosa, não há queda da taxa total de abortos, pelo contrário, estudos demonstram um efeito direto entre a proibição e o aumento das taxas de
abortamentos clandestinos e inseguros, e logo, da mortalidade materna
(AGI, 2004, 2008; BRASIL, 2006; DREZETT, 2005)
O abortamento representa uma das principais causas de mortalidade materna no Brasil. Segundo estudo da Mortalidade de Mulheres,
de 10 a 49 anos, com Pesquisa realizada em 2002, em todas as capitais e
no Distrito Federal, evidenciou a permanência de alta taxa de mortalidade
materna no País (BRASIL, 2006), diferentemente do que ocorre em países
desenvolvidos, onde essas taxas de morte, especificamente por aborto,
são reduzidas. Entre 1995 e 2000, estatísticas de vários países europeus
mostram taxas inferiores a 10 óbitos/100.000 nascidos vivos, com o aborto
sendo realizado em condições seguras, não se constituindo mais importante causa de óbito, (ALEXANDER et al., 2003).
A despeito da subnotificação dos óbitos por aborto, tem sido
observada, nas últimas décadas, uma tendência de declínio da taxa de
mortalidade por essa causa no Brasil. Entretanto, verifica-se não somente um decréscimo da média de idade das mulheres que foram a óbito,
como também a permanência de desigualdades regionais, com menor
redução dessas taxas nos estados nordestinos. É também nesta região
do País onde as mortes decorrentes do abortamento inseguro adquirem
mais importância entre as causas de morte materna. Em municípios da
Região Metropolitana do Recife, incluindo a capital, entre 1994 e 1996, o
aborto ocupou, respectivamente, o primeiro e segundo lugar deste grupo
de causas, decrescendo nos anos seguintes (VALONGUEIRO, 1996; RECIFE, 1998) e, em Salvador, desde o início da década de 90, o abortamento . 10 .
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permanece como a primeira causa isolada de morte materna, com adolescentes e jovens apresentando maiores riscos de morte (COMPTE, 1995;
MENEZES; AQUINO, 2001).
Considerando que a mortalidade representa apenas uma fração
dessa problemática, os dados referentes à hospitalização por abortamento confirmam sua magnitude. A curetagem pós-abortamento representa
o terceiro procedimento obstétrico mais realizado nas unidades de internação da rede pública de serviços de saúde.
 As repercussões sociais na vida pessoal, familiar, e no mundo
do trabalho precisam ser analisadas e respeitadas, na medida em que o
abortamento atinge mulheres jovens, em plena idade produtiva e reprodutiva, levando-as desnecessariamente à morte ou implicando sequelas
à sua saúde física, mental e reprodutiva. Complicações físicas imediatas,
como hemorragias, infecções, perfurações de órgãos e infertilidade se somam aos transtornos subjetivos, ao se vivenciar o ônus de uma escolha
inegavelmente difícil num contexto de culpabilização e  de penalização
do abortamento.
No Brasil, sua prática se traduz numa inequívoca expressão das
desigualdades sociais, pois embora compartilhem a mesma situação ante
a ilegalidade da intervenção, as mulheres percorrem distintas trajetórias,
com uma minoria delas podendo arcar com os custos de um abortamento
rápido, seguro e sem riscos. A maior parcela da população feminina recorre a várias estratégias inseguras que frequentemente se complicam e
acarretam mortes maternas por abortamento. Para a redução da mortalidade materna, o SUS trabalha para melhorar a saúde das gestantes, a
promoção da igualdade entre os sexos e a valorização das mulheres, ou
seja, alcançar as metas números três e cinco dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio que estão interligadas.
A necessidade de uma atenção oportuna é imperiosa, dada a dificuldade das mulheres em reconhecer sinais de possíveis complicações,
aliado ao fato de que o medo e a vergonha são fatores que podem retardar a busca de cuidado. Não menos importante que esses aspectos, se faz
necessário superar a discriminação e a desumanização do atendimento . 11 .
ATENÇÃO HUMANIZADA AO ABORTAMENTO NORMA TÉCNICA
às mulheres em situação de abortamento, ainda uma realidade de muitos
serviços públicos no País. São expressões disso não só a recusa da interna-
ção em certos hospitais ou a longa espera para atendimento, como também a demora na resposta às demandas das mulheres, seja por desqualificação dos sintomas, seja por tomá-los como expressão de um suposto
sentimento de culpa por terem provocado o aborto.
Esta Norma pretende, portanto, fornecer aos profissionais subsí-
dios para que possam oferecer não só um cuidado imediato às mulheres
em situação de abortamento, mas também, na perspectiva da integralidade deste atendimento, disponibilizá-las alternativas contraceptivas,
evitando o recurso a abortos repetidos. Para mulheres com abortamentos
espontâneos e que desejem nova gestação deve ser garantido um atendimento adequado às suas necessidades.
É fundamental, por fim, reconhecer que a qualidade da aten-
ção almejada inclui aspectos relativos à sua humanização, incitando
profissionais, independentemente dos seus preceitos morais e religiosos, a preservarem uma postura ética, garantindo o respeito aos direitos humanos das mulheres

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